Paciência.

Olá, Coexpat!
Muita gente ainda continua sem luz aqui em Houston, quase metade da cidade. 

Na tv, as imagens ainda são de gente nas filas à espera de gelo e água potável. 
Os alojamentos seguem lotados e as escolas fechadas. 
Um dos maiores shoppings da região, com as grifes mais badaladas, está fechando quatro horas mais cedo. Acontecer isso em um país pautado pelo consumo é porque a coisa foi feia mesmo.
O Ike matou 27 pessoas no Texas. 
O governo do estado já assinou contratos no valor de US$ 150 milhões para recuperação da região.
Aos poucos a vida para a outra parte dos moradores da cidade vai voltando ao normal. 

Os dias têm sido de limpeza. Árvores aparadas, fiação levantada, mercados reabastecidos e reabastecendo, restaurantes abertos. O período do toque de recolher foi reduzido de nove para seis horas.
Os museus estão reabrindo, mas os teatros, outra marca registrada de Houston, ainda estão apagados. É que estão localizados em uma das regiões mais judiadas pelo Ike, o centro.
Resta saber quando o ânimo e a coragem do pessoal será restaurada.

Os moradores de Galveston, no litoral do Texas, ainda não podem voltar para ilha. A devastação por lá foi total e ainda tem gente sendo resgatada.
Confome a água e a poeira vão baixando, o lixo vai aparecendo. O Xerife da cidade está tendo que explicar porque, apesar da ordem de evacuação, não permitiu que 1000 presos fossem retirados da cadeia de Galveston. A resposta, o prédio foi construído para aguentar um furacão categoria 5, o Ike foi 2, e agora, diz o homem, essas pessoas estão em situação melhor que a dos "moradores de bem". Então tá.
Enfim hoje é sexta-feira de verdade. Mas uma sexta diferente. A cidade está em outro ritmo. O trânsito está complicado, com muitos semáforos ainda piscando no amarelo. O interessante é como o povo se organiza. Uma turma por vez em cada canto do cruzamento. Não tem buzina. Só muita paciência.
Paciência é a senha mesmo. Para tudo. Paciência com a gente, com os outros, com a vida. 

Paciência...

Foto de LM Otero: AP

Carmem Galbes

Meu relógio pirou!

Olá, Coexpat!
Não sei se já aconteceu com você...

Desde sexta passada parece que vivo em um loooongo dia.
Parece que desde sexta é sexta. 
Interessante é que alguns aspectos da rotina básica seguem intactos. Tenho dormindo durante a noite, feito as refeições nos horários tradicionais etc e tals.
Mas parece que estou meio fora do grande relógio da vida. É como se você perguntasse que horas são e respondessem: agora. 

Sim a hora é agora, mas não faz sentido a resposta.
Até ontem não sabia ao certo que dia era do mês, nem da semana, mesmo porque na minha cabeça estava decidido que era sexta.
Fiquei pensando se essa confusão com o calendário estaria relacionada à pane no sistema de energia. Se for isso, estou mesmo lascada. Teria eu decidido que os dias são ditados pela tecnologia, pela informação, pelos compromissos, não pelo Sol que nasce e se põe? Haja desconexão entre mim e a natureza...
Para ajudar nessa aflição, recebi de longe um convite vencido para um ciclo de palestras. Tema: o que é humano hoje?
Na preguiça respondo: é o ser que fala.
Mas depois desse furacão, dessa confusão no meu relógio sóciobiológico, dessa coisa de não conseguir direito dar nome ao que se passa, ao que se sente, fico pensando que a resposta já não é tão simples assim faz tempo.
Pensando bem, não bastam os furacões que a gente cria na nossa vida. Às vezes é preciso um furacão de verdade mesmo para levantar a poeira, sacudir as certezas e exigir uma reconstrução. 

Aliás, o que é certo? O que é verdade? O que vale a pena?
Ihh... esse Ike...


Carmem Galbes

Ike em detalhe.

Olá, Coexpat!
Um amigo pediu para eu dar mais detalhes sobre meu primeiro contato com um furacão bravo. Então tá.
A temporada de furacões no Texas começou em primeiro de Junho. Já passaram por aqui Arthur, Bertha, Cristobal, Dolly, Edouard, Fay, Gustav, Hanna, Ike. Isso mesmo...A...B...C...D...os nomes seguem o abecedário.
Como já disse, Edouard foi o meu primeiro furacão. Um contato que não passou de: “nossa, só isso?”
Depois de enfrentar congestionamento nos corredores de água e comida enlatada, depois de ver que furacão pode ser só uma garoa e de perceber que as pessoas estão meio cansadas de tanta ameaça, decidi que também não iria embarcar no que chamam aqui nos Estados Unidos de indústria do furacão.
Com o Ike seria assim, não fosse um detalhe: o estrago em Cuba e no Haiti, onde deixou pelo menos 75 mortos. Além disso tinham as fotos do satélite. Eu tenho medo daquela imagem cinza, daquele olho grande...
Aí começou.
Terça-feira: o governo do Texas manda os moradores do litoral deixarem suas casas.
Quarta: Os canais de tv suspendem a programação normal e dão espaço pleno ao fenômeno.
Quinta: Ike é o tema das aulas na universidade.
Eu realmente não acreditava que estava em risco. Eu e meu marido decidimos não deixar a cidade. Fomos ao mercado, como todo mundo. Água, pilha, vela. Já que enlatado só desce mesmo em furacão, o estoque feito antes do Edouard estava intacto.
Sexta: tentamos almoçar em algum lugar. Às três da tarde já estava tudo fechado.
Passamos o dia grudados na tv. O avanço da maré avisava que o Ike não deveria deixar a categoria 2 de uma escala que vai até 5 - nível mais violento do fenômeno...não foi isso que aconteceu...

Às sete da noite já víamos os repórteres chacoalhando em Galveston, litoral do Texas.
Decidimos dormir...Pensamos que dormindo, a história acabaria logo. 

Capaz! O balanço das janelas nos expulsou da cama. 
Como o conselho é ficar no cômodo mais central da casa, o que está protegido por mais paredes, montamos acampamento no banheiro da suíte, que não tem nem janela.
Seguimos as dicas de quem tem experiência no tema: levamos com a gente - além do kit sobrevivência: água/comida/lanterna, mochila com documentos e sapatos - caso os estilhaços de vidro se espalhassem pela casa. Animador, ?
E no banheiro ficamos por umas quatro horas.
Um amigo me perguntou se tive medo. Não sei dizer. Fiquei pensando se o vento levasse o teto. Sabe aquela imagem da vaca voando? Não que eu tenha vaca em casa, mas aquela cena do Twister é simbólica. Tudo pelos ares...
As rajadas é que assustaram. Por várias vezes o vento diminuiu, o barulho ficou longe. E, de repente, vinha um estrondo. Parecia trem fantasma.
Não me atrevi a tentar ver algo pela janela, acompanhei tudo pelo meu mp3 a pilha.

Dos estúdios de tv, apresentadores e repórteres, em rede com as rádios, tentavam traduzir imagens em palavras.
O conselho mais interessante foi de um meteorologista sênior que sugeria distrair a criançada, porque o som do vento não era nada agradável. Depois dessa, aí que não larguei o radinho.
Lá pelas cinco da manhã tudo acalmou. Calmo até demais. Nenhuma sirene. Ninguém falando. Nem pingo d’água. Já estávamos sem o básico. Torneira seca e geladeira desligada.
Andar pelos corredores totalmente escuros do condomínio logo após um 11 de setembro - mesmo que sete anos depois, mesmo que por outros motivos - não foi nada agradável.
Na rua, raízes para o alto, semáforos - os que resistiram - piscando.
Deu uma tristeza...profunda...
Água continua só engarrafada. 

Gasolina continua 50 centavos mais cara, fora a fila.
Ainda estamos sem tv a cabo. 
Internet conseguimos emprestada. 
Todos continuam suspeitos. Toque de recolher à noite, pelo menos até sábado. 
Escolas seguem fechadas. 
Comida enlatada? Vai seguir estocada. É que a tal temporada de furacões só termina em 30 de novembro.
Em tempo, o próximo furacão já está a caminho e já foi batizado: Josephine.

Foto de um leitor do jornal The Houston Chronicle.

Carmem Galbes

Quando o furacão leva o que não deveria e deixa o que não precisava...

Olá, Coexpat!
Houston, a terra que manda o pessoal pro espaço ficou isolada do mundo... 
Só consegui uma internet capenga agora.
Minha família passou pelo Ike sem feridos, nem danos, nem traumas.
Depois da sexta estranha...veio o sábado esquisito. 

O furacão chacoalhou as portas e janelas do meu apartamento por umas três horas. O vento de 150 km/h levou a nossa noite de sono, a água e a energia elétrica.
Tínhamos nos preparado para um período assim, que - na minha cabeça - não passaria de algumas horas.
Sem infra, com prefeito dizendo que luz era assunto da companhia de energia e com toque de recolher das 9 da noite às 6 da manhã, decidimos avançar para Dallas.
Foi bom! Água quente, gelo, mas pouca notícia.
Voltamos para Houston assim que o básico por lá foi restabelecido.
Combustível ainda é raro. Chegamos a pagar US$ 4,08 por galão. Antes do furacão estava em torno de US$ 3,60.
Interessante foi ver o talento na arte de estocar. Não satisfeitos em abastecer o tanque, vi fulaninhos e fulaninhas enchendo tambores e mais tambores. Mas temas como solidariedade e empatia parecem não entrar em pauta para algumas pessoas nem quando a vaca voa! 

E o furacão, que levou tanta coisa importante, acabou deixando outras que - definitivamente - poderiam desaparecer...
PS. O prédio da foto é o mais alto de Houston, 75 andares. É a sede do JP Morgan Chase. Todas as janelas foram quebradas. Não, não é brincadeira de mal gosto...

Foto de James Nielsen: Chronicle - Centro de Houston - 13.09

Carmem Galbes

O furacão apronta e eu é que fico de castigo?!

Olá, Coexpat!
Tentei almoçar por aí...tudo fechado...de restaurante a posto de combustível, de mercado a shopping center
Sinistro...
As janelas estão todas cobertas por tapumes de compensado. 
A cidade está vazia...vazia...
Passei o resto do dia grudada na tv.

Assisti a muito congestionamento!
O percurso entre Houston e Dallas, que leva umas 4 horas de carro, chegou a ser feito em 12. 
Vi o Ike avançar a cada minuto.
Vi também a polícia passando de casa em casa para ter certeza que as pessoas tinham deixado os locais considerados de risco.

E ainda vi o drama dos pobres. Saber que a casa pode sair voando essa noite, ter que ir para abrigo...
Além do vento, da enchente, dos estragos, dos feridos...o governo também tem que ficar de olho nos oportunistas. Então, toque de recolher! Minha região ficou fora da lista, mas quem se arrisca a sair? 

Eusinha!! E ainda queria almoçar fora! 
Vai tomar no olho do Ike! Estou de castigo... 
Porque ter que ficar em frente à tv, vendo um urso morfético infernizar a vida do repórter de plantão em pleno hurricane, é mesmo um castigo!

Foto de Smiley N. Pool: Chronicle - Houston 11.09

Carmem Galbes

Adeus escova...

Olá, Coexpat!
Agora o furacão está me deixando de cabelo em pé!
O negócio é fazer o que as “otoridadi” mandam: meu kit desastre já está ok, mas não, não evacuei a cidade.
Aliás, ô palavrinha ordinária para o contexto, hein?
Uma amiga - em bom carioquês - diria, tem que evacuar porque esse furacão vai dar a maior mer...!
Eita natureza sábia. Chega uma hora que ela cansa, aí manda todo mundo sair.
As bombas de gasolina viram cambalhota de tanto cuspir combustível!
As estradas lembram feriadão em Santos.
A criançada fica feliz da vida porque não tem aula.
Por falar nisso, um colega de classe do Kuwait sugeriu aproveitar o dia sem universidade para um churrascão na sexta. É que esse furacão pra ele é um ventinho, ?
Mas o negócio é estocar água potável, enlatados e pilha, deixar a lanterna por perto e rezar pra que ninguém fique ferido.
Se por acaso eu não aparecer nos próximos dias...caiu a rede de energia - ESPERO!


Carmem Galbes

Esse furacão me deixa zonza!

Olá, Coexpat!É a primeira temporada de furacão que eu pego na minha vida. 
Já enjoei! 
Cansei desse negócio de um alerta de desastre por semana. Quem consegue viver nessa situação de tragédia iminente?
É um ufa atrás do outro!!
Ok, prefiro que continue assim, só alerta, só ameaça...
Mas, para mim, “já deu” esse clima de pavor que se instala dias antes da chegada do bicho e a novela que se faz em torno dele.
Com a TV, já aprendi todos os nomes: começa como tempestade tropical, vai para tornado, aí vem o furacão de 1 a 5. Também já peguei várias dicas ultra-mega-exclusivas sobre a melhor forma para se preparar para a visita. Desocupe a varanda, proteja as janelas. Se tiver que deixar a cidade, não esqueça do seu animal de estimação...Oi?!
Tem gente que prefere acompanhar os sites especializados que trazem zilhões de fotinhos coloridas, números, projeções e pouco juízo de valor.
Ah, tem ainda a tal cartinha do condomínio lembrando que eles não se responsabilizam por nada. Nossa que novidade...
Mas a natureza é assim. Eu que saia da frente!

Aliás, preciso ir. Vou atrás do kit água-lanterna-angu-mochila.
Espero que seja só mais um treinamento...um treinamento intercultural!


Carmem Galbes

Expatriação e divórcio.

Olá, Coexpa t ! Eu poderia começar esse texto com números sobre a taxa de separação entre os casais que embarcam em uma expatriação. Númer...