Comecei a pesquisar e a falar sobre o universo
da mulher que deixa seus próprios planos em segundo plano para apoiar a
carreira do parceiro em um outro lugar há 10 anos, quando meu marido foi
transferido para os Estados Unidos.
Minha ideia era abastecer um blog para, de
volta ao Brasil, poder mostrar ao meu futuro empregador que eu não tinha ficado
parada, eu tinha produzido!! Na época,
eu ainda achava que eu era uma máquina...
As pesquisas foram avançando e eu me apaixonei
pelo tema.
Não só não parei mais de escrever sobre isso,
como reestruturei minha carreira a partir desse conceito: que a expatriação
também fosse enriquecedora para a "esposa expatriada" e não apenas
para o profissional transferido.
Escolhi olhar especificamente para a "mulher
que acompanha" por dois motivos:
1 - Estratégia: como jornalista, queria falar
com a maioria. De cada 10 expatriações, 8 ainda são motivadas pela carreira deles,
apontam relatórios.
2 - Minha história pessoal e minha própria dor:
em 10 anos mudamos 5 vezes de endereço por causa da carreira do meu amor.
Mas quando é o homem que acompanha a mulher?
Quando o expatriado vira "marido
expatriado" o que acontece com ele?
O senso comum, inclusive entre as
mulheres, é que a dor é maior.
Dor é dor!
Existe dor maior, dor menor ?
Dor é uma questão de ponto de vista,
de referenciais, de valores e ponto!
Mas...
Ok, tenho a tendência, nesse caso, em seguir o senso comum: sim, também acredito que
a dor do "marido expatriado" seja maior.
Pode ser por uma questão arquetípica
do feminino que embasa e do masculino que se lança e lança ao mundo.
Pode ser pela questão histórica e
social do homem como provedor.
Pode ser pela questão histórica e
social que traz para o universo da mulher o conceito da dependência como algo
natural e esperado. Embora eu tenha uma
profunda dificuldade em entender o que seja dependência em um casamento, que
pressupõe objetivos em comum.
Pode ser por uma questão biológica, de
hormônios, de sinapses.
Mas sabe o que eu acho mesmo?
Dói mais porque homem que é homem não
chora.
Nossa...e como a gente chora quando perde
as coisas que a gente acha que gosta, quando perde a mesa no escritório, o
crachá, o cargo, quando perde o gosto de reclamar que não tem tempo pra nada, quando
perde o contracheque, quando perde o reconhecimento e o elogio por algo que se
esforçou muito, quando fica socialmente invisível, porque - no mundo dos
adultos - você só tem forma e cor se você dá algum tipo de resultado palpável
para alguém, especialmente se esse alguém for uma pessoa jurídica.
A gente, mulher, chora...
Mas homem foi criado para engolir o choro.
Não pode chorar e tem que aceitar o
julgamento, as brincadeiras maldosas, o olhar impiedoso de quem não tem a
mínima ideia do esforço que se faz para sufocar os conceitos e preconceitos e apoiar
o sucesso alheio...
Dar conta das próprias perdas e
angústias e ainda cuidar da rotina da casa, dos filhos, da logística, ser a
ponte entre a família e a nova cultura e sem poder se abrir, sem ter um olhar,
um apoio, sem ouvir um "eu sei o que é passar por isso" é abraçar um
papel pesado demais para qualquer ser humano criado para produzir e dar lucro.
Pior é quando o "marido
expatriado" se convence de que toda essa gente do mal tem razão...
Como apoiar esse homem ? Como apoiar
essa mulher transferida ?
Meu mantra: apoiando a família.
Tratando a mobilidade de profissionais como um projeto em família, em que cada
um tem um papel fundamental para fazer dessa transferência um sucesso para
profissionais e empresas.
Mas quando a estratégia vai além da
nossa própria ação, o retorno pode não vir na velocidade que gostaríamos.
Assumir a função de dar suporte à
carreira de outra pessoa é uma decisão séria, que exige autoconhecimento e
superação constante de modelos cravados a ferro e fogo em nossa alma por
aqueles que amamos, que são nossos referenciais.
Ninguém avança nessa seara sem auto-análise,
baby, sem auto-análise, autocrítica e humildade.
Por que exatamente nos sentimos
péssimos - não importa se somos mulher ou homem - quando muitas das nossas ações diárias,
independente se pra lá da fronteira ou não - são em nome do sucesso de outra
pessoa?
Quando ameacei dar as mãos com a
vitimização e ousei imputar no outro o resultado da minha escolha em aceitar a
coexpatriação, me fiz - com muita dor - algumas dessas perguntas:
- Será que eu sou mesmo uma pessoa altruísta, livre do olhar alheio?
- Será que eu valorizo mesmo o trabalho doméstico?
- Será que eu valorizo mesmo a família?
- Qual é o meu conceito de maternidade?
- Será que eu valorizo mesmo a maternidade?
- Qual é o meu conceito de cuidar?
- Será que eu me permito ser cuidada?
- O que me faz acreditar que a função que eu estou exercendo não é digna da minha energia, da minha atenção?
- Será que eu acho que eu sou boa demais, inteligente demais, especial demais para fazer o que eu estou fazendo? Por que eu acho isso?
- Será que eu quero mesmo o desenvolvimento do meu cônjuge?
- Por que mesmo eu aceitei essa mudança? Para apoiar alguém ou para fugir de algo que eu não tinha mais coragem de encarar?
É preciso ter coragem para
ouvir as respostas.
O discurso é lindo mas a
prática é malcheirosa...
Por que tantos parceiros e
parceiras entram em crise em um processo de expatriação?
O que muita gente não percebe
é que a crise vem, cedo ou tarde, ela vem pra todo mundo, glória!
Vem na expatriação, porque expatriação faz a
gente morrer e nascer de novo, e de novo, e de novo. Quando é coexpatriação,
então, nem se fale.
De todas as perguntas que me
fiz, a que fez a diferença, que mudou mesmo o curso da minha história foi: o
que eu vou fazer com essa minha nova vida, esse meu novo eu? Como eu
posso melhorar o meu mundo com o que eu tenho aqui e agora?
Entre casa, comida e roupa
lavada, me envolvi com o árduo trabalho de descobrir qual seria minha missão
especial nessa minha existência.
Sim, acredito de verdade que
cada um de nós tem uma missão muito especial.
E graças aos céus que há crises!
Porque, geralmente, elas são o
cenário onde nossa missão, ou missões, são reveladas.
Quando iria me imaginar
falando para um público tão específico, tão ignorado?
Nunca. Eu sempre me via na
grande mídia, tratando de assuntos que me mandavam tratar e garantindo meu
status e minha renda no fim do mês.
Mas o auto-questionamento
veio forte e cá estou nesse "mar internético" com a minha missão de não
deixar que desavisadas se afoguem e de resgatar náufragos, que precisam pisar a
terra firme de novo para que a vida de outras pessoas voltem a ter brilho!
Como você - homem ou mulher -
com esse seu novo modelo de vida pode melhorar o seu mundo ou o mundo de alguém?
Como você pode fazer a diferença com esses novos ingredientes que você tem em
mãos?
Sabe aquele negócio de que Deus
escreve certo por linhas tortas?
Quando a gente pensa nesses termos, não
sobra espaço para lamentação.
Fico aqui pensando se não está na hora
de tirar o gênero do meu trabalho.
Seria uma grande conquista falar com o
cônjuge expatriado, não apenas com "esposa expatriada" porque dor da
perda é dor e ponto.
Sabe o que seria conquista mesmo? O
meu trabalho não ser mais necessário, porque o papel do "cônjuge
expatriado" seria reconhecido e valorizado por todos, inclusive por ele próprio.
Seria uma conquista mesmo eu poder
viver sem ter que escrever da dor.
Escrever só sobre cor, sabor e toda a
incrível expansão de consciência que se pode ter vivendo em uma cultura diferente
da nossa, não importa o que nos levou até lá.
Falar de cor, sabor e de amor - para
não perder a rima e falar do que realmente importa, amor...eu amo os homens.
Tenho referenciais incríveis na minha vida: meu marido, meu filho, meu pai,
meus irmãos, meus avós...
Eu falo com as mulheres.
Eu amo os homens e as mulheres, porque
a vida não é uma questão de homem e mulher, é uma questão de gente.
E gente nasceu para ser feliz!
*uso marido expatriado entre aspas
como uma forma de protesto porque
acredito que o papel de quem acompanha e dá suporte ao profissional
transferido não pode ser reduzido ao estado civil. Faço o mesmo com
"esposa expatriada", mas para nós já adotei o termo coexpatriada.
Carmem Galbes