Expatriação, quando a dependência do casal não é uma questão financeira.

Hoje eu tô polemicona!
Por isso o tema (in)dependência financeira, o dito cujo que arranca lágrimas de mágoa e raiva até dos casais expatriados mais descolados, apaixonados e maduros, principalmente nessa época de visita de família, de compras de natal...
Que tal a gente começar com calma, pelo começo, pelo significado das palavras?
Na definição do Michaelis independência é:

  • Estado, condição ou característica daquele que goza de autonomia ou de liberdade completa em relação a alguém ou algo.
  • Caráter ou qualidade de alguém ou daquilo que não se deixa influenciar ao fazer julgamento; isenção, imparcialidade.
  • Caráter ou qualidade de alguém ou daquilo que rejeita conceitos, ideias, regras predeterminados; autonomia.
  • Caráter ou qualidade de quem rejeita qualquer tipo de submissão.
  • Caráter de um estado que não se acha submetido à soberania política de uma outra nação; autonomia política.
  • Condição financeira favorável de alguém ou de uma instituição, sem que precise depender de outrem; independência financeira suficiente.
Dito isso, pergunto: 
  • Quem na face dessa terra é independente?
  • Quem goza de autonomia ou de liberdade completa em relação a alguém ou algo?
  • Quem não  se deixa influenciar?
  • Quem rejeita conceitos, ideias, regras?
  • Quem rejeita qualquer tipo de submissão?
  • No mundo globalizado, abarrotado de títulos financeiros, existe mesmo separação entre política e economia? Sendo assim, existe mesmo soberania política?
  • Quem, senhor, quem tem independência financeira, quem não precisa do dinheiro do outro?
Me explico:
Vamos pensar na independência financeira, o tipo de independência que as pessoas mais valorizam. Imagine uma rede financeira começando por você, que se sente toda desgostosa da vida porque aceitou apoiar a expatriação do seu marido - deixando o próprio emprego de lado - e agora diz sofrer por estar dependendo financeiramente dele.
Você depende financeiramente da renda do seu marido → ele depende financeiramente do empregador dele → o empregador depende financeiramente dos clientes → os clientes dependem financeiramente de quem paga os salários → quem paga os salários depende financeiramente de quem recebe os salários...
É um ciclo! Interdependência financeira! 
Só consegue ter independência financeira quem não participa desse ciclo. Quem não precisa de dinherio para comer, beber, vestir-se e proteger-se.
Vez ou outra ouvimos histórias de gente que conquistou - ou pelo menos tentou conqusitar - a independência financeira de fato.
Caso de Thoreau, que em 1845, aos 28 anos, mudou-se para uma cabana no bosque e demonstrou minuciosamente que poderia tirar tudo o que precisava da natureza. Por dois anos ele viveu à parte do sistema financeiro, dependente (o que todos somos) direto - sem atravessadores - da natureza. 
Mas o ponto que eu quero chegar nem é como podemos nos libertar do uso da moeda ou de quem sustenta quem. 
Eu quero é conversar sobre essa ideia de hierarquia nas relações de dependência.
Esse negócio de a dependência financeira provocar/fomentar/facilitar outros tipos de dependência: de opinião, de decisão, de crença, de humor...
Entende onde quero chegar?
"Eu pago as contas então quem manda aqui sou eu." Essa frase é filha daquela que ouvimos desde a primeira birra/revolta: "quando você tiver o seu próprio dinheiro, você pode fazer o que quiser."
Posso mesmo?
Que tipo de sociedade é essa que diz que com dinheiro a gente pode tudo?
A gente aprende lá bem pequeno que dinheiro é o pai e a mãe de toda a liberdade e submissão.
Então, como não aceitar o fato de que quem tem mais dinheiro, quem recebe o salário é sim mais importante, melhor, superior e pode fazer e desfazer de quem e do que bem entender?
Bom, na minha humilde opinião, não pode e não consegue.
Porque a nossa dependência real - a dependência de que nenhum humano consegue se livrar - é de amor, de afeto, de olhar. Só acreditamos que existimos porque o outro diz que nos vê! E isso não está à venda. Amor autêntico, afeto de verdade, olhar genuíno não podem ser comprados.
Aaaa. você tá decepcionada porque diz que estou chovendo no molhado e esperava um outro desfecho.
Sim, estou chovendo no molhado e não, não há outro desfecho.
Desempenhamos diferentes e simultâneos papéis nessa vida e a dependência está presente em todos eles!
Durante uma expatriação, as relações de dependência ficam ainda mais escancaradas e a limitação do poder do dinheiro ainda mais evidente, tanto que chega uma hora que os pacotes de benefícios podem ficar ainda mais valiosos mas seu efeito não cresce na mesma proporção, porque não conseguem contemplar algo que pode fazer a diferença para o sucesso ou fracasso de uma expatriação: a dependência de apoio e a valorização - na mesma medida - desse apoio! 
"Eu apoio e valorizo a decisão de você trabalhar em outro pais ⇿ Eu apoio e valorizo a decisão de você mudar a sua vida para me apoiar."
Aceitar que a importância desses papéis sejam qualificados por montantes financeiros e origem da renda é pequeno demais para um processo tão complexo que é uma transferência profissional - que considero uma mudança de mundo, não apenas de país ou de cidade.
Penso que são muitos os processos que levam alguém a sentir-se inferior porque não é a fonte da renda, mesmo que esteja à frente de vários outros importantes papéis.
Você pode argumentar  que a relação direta de poder e dinheiro está no DNA do ser humano e que se você não reconhecer que o outro é sim mais importante porque é o "dono" da renda, você ficará desamparada, você passará fome. 
Well...
Tudo bem! Independência de opinião!
Resta saber, você tem fome de que?
Mas aí é muito assunto pra pouco espaço...
Carmem Galbes

O ritual para ver beleza em uma expatriação.


Escrevo esse texto enquanto aplico uma máscara no rosto.
Sim, sempre começo a escrever  mentalmente enquanto vivo a vida. Só depois o texto vai de fato para o papel.
E parece que quanto mais corriqueira a atividade, mais o texto flui...
Se bem que aplicar uma máscara no rosto não é algo tão trivial assim...
Primeiro de tudo, precisamos estar em harmonia com a gente mesma, porque só quando estamos bem com o nosso eu sentimos vontade de nos cuidar.
Ninguém que está no fundo do poço fala assim: aim... deixa eu ir lá no banheiro aplicar uma máscara no rosto para ver se eu melhoro...
Quando estamos mal, costumamos fazer coisas que nos agridem...nos entupimos de junk food, junk drink, junk feelings, junk thoughts...Mas, não! A ideia aqui não é falar de comida lixo, bebida lixo, sentimento lixo, pensamento lixo. A ideia é falar de boniteza.

Voltemos à máscara!
Como defendi, aplicar uma máscara requer um bom estado de espírito e um bocadinho de tempo. Você não chega e pá, lambuza a cara.
Vamos ao ritual:
  • Prender o cabelo.
  • Proteger o cabelo para a máscara não grudar nos fios.
  • Limpar a pele.
  • Aplicar a máscara.
  • Deixar agir por 20 minutos. Melhor se der para sentar, relaxar e curtir o processo.
  • Tirar a máscara.
  • Sorrir para o espelho.
  • Seguir a vida.


Então primeiro é necessário preparar a pele, limpar a pele, tirar a sujeira para que a pele possa usufruir dos benefícios da máscara. Ela tem que estar zerada de maquiagem, de poluição, de produtos, para que os princípios consigam agir. Definitivamente a máscara não vai surtir efeito sobre uma pele saturada de produtos. Ela tem que estar limpa.
E...nas minhas viagens lunáticas pelas atividades terrenas traço um paralelo entre a aplicação de uma máscara e uma expatriação.
Assim como os poros têm que estar abertos para que a pele possa aceitar os benefícios da máscara, a nossa cabeça e o nosso coração têm que estar abertos para percebemos  e incorporarmos os benefícios de uma mudança de cidade, de país, enfim, de vida.
Dá trabalho?
Claro!
Dá trabalho aplicar a máscara! Como vimos, tem um ritual antes, um passo a passo que exige atitude e tempo.
Dá trabalho ter acesso aos benefícios da expatriação?
Claro!
Mudar de casa, por si só, dá um trabalhão! Identificar riqueza nisso, nem se fale!
É que a gente tem que se preparar para perceber essa riqueza, os benefícios da expatriação. Tem que se limpar de algumas ideias, alguns sentimentos, alguns pensamentos, de alguns valores, de alguns conceitos, de alguns preconceitos. E tem também, como ao aplicar uma máscara, que relaxar e dar tempo ao tempo para que os efeitos possam começar a aparecer.
Nem sempre é possível ver o efeito de forma tão clara, tão rápida.
Pensa na máscara. Às vezes, é preciso aplicar mais de uma vez para sentir como a pele melhorou.
E é lógico que a máscara sozinha não faz milagre!
Uma expatriação, por si só, não vai fazer a vida ficar maravilhosa. Ela pode ser parte de um incrível processo de expansão da gente mesma, assim como a máscara pode ser parte de um amplo tratamento de beleza.
Claro que há peles mais sensíveis. Em alguns casos, a máscara pode causar coceira, irritação. Aí a importância de conhecer a própria pele, de ler a embalagem antes de aplicar o produto.
Mesma coisa com a expatriação. Importantíssimo  uma boa dose de autoconhecimento antes de desbravar outros territórios. Importante também ter informações sobre esse processo. Como funciona o mudar de cultura, de idioma, de costumes, de amigos, de rotina...o  que posso sentir? Como posso reagir? A quem posso recorrer caso a reação seja muito forte ou dolorida?
No fim das contas, o que importa é que os processos, sejam estéticos ou não, nos remeta à uma melhoria, nos remeta à beleza! Uma beleza que faça sentido e que seja bonita de fato para gente!
Carmem Galbes

Expatriada, mude de verdade!


Você pode mudar de roupa, pode mudar até de estilo.
Pode mudar o corte de cabelo, a cor, o penteado.
Pode mudar o seu corpo.
Pode mudar de endereço, de cidade, de país.
Pode mudar de estado civil.
Você pode mudar de carreira.
Você pode mudar de nível social e econômico.
Você pode mudar de calçada.
Pode mudar os planos.
Mas se você não mudar a sua cabeça e o seu coração, você vai continuar tendo os mesmos resultados.
Está feliz assim?
Ok! Então não mexa em time campeão.
Está frustrada? Não está legal?
Então mude de verdade!
Como?
Que tal olhar o outro lado da maçã?
Se você mudar o ângulo que vê as coisas, se você se permitir outras perspectivas, você tem grande chance de mudar a forma como se sente em relação às pessoas e aos acontecimentos e *boom*, um processo de desenrola: seus pensamentos tendem a mudar e o seu comportamento, as suas ações tendem a acompanhar.
A mudança não precisa ser grande, não.
Às vezes, basta olhar para o lado, basta dar um passo a frente, basta trocar o lugar à mesa, basta experimentar uma comida diferente, basta mudar o trajeto que faz todo santo dia, basta ler sobre um assunto que não seja habitual na sua estante, assistir à uma peça que você nunca prestaria atenção...basta ler uma poesia ou parar 10 minutos para observar as pessoas em uma praça.
Às vezes, basta a gente se fazer a pergunta mágica "e se...?"
E se eu respondesse sim? Eu se eu falasse não? O que eu poderia ganhar com isso? O que eu poderia perder? O que de pior aconteceria? E se eu decidisse pagar pra ver? E se eu deixasse o medo de lado? 
O que você pode mudar hoje, fazer diferente agora para se sentir melhor, par aproveitar todo o potencial de viver em um lugar diferente?

Carmem Galbes

Expatriação: a importância do dia da chegada ao novo endereço.


Sobre o dia da chegada...
Não quer nem pensar?
Confia! 
A reflexão vale a pena!
Fecha os olhos...
Responda:
Como foi no instante em que você chegou a esse endereço em que vive agora?
  • Você já conhecia esse local?
  • Já havia passeado por aí?
  • Já tinha alguma memória sobre ele?
  • Você chegou como?
  • Como foi o trajeto?
  • Como estava o tempo?
  • Era dia?
  • Você estava bem de saúde?
  • Como estava seu marido? Seus filhos?
  • Você estava com uma roupa confortável?
  • Estava com fome?  Comeu algo assim que chegou? Gostou do que comeu?
  • Foi para algum hotel, casa de amigos, conhecidos ou direto para a nova casa?
  • Pegou muito transito?
  • Viu alguma cena marcante? Boa ou ruim?
  • Gostou do lugar?
  • Gostou do bairro?
  • Já conheceu algum vizinho?

Eu realmente acredito que o dia da chegada à nova cidade, ao novo país é como um portal para uma nova vida. Dependendo da forma como atravessamos esse portal, nossa adaptação será mais leve ou não...
Por isso a importância de entender a força desse momento.
Estamos fragilizadas. Tudo é novo, tudo é estranho, e as ocorrências nesse primeiro dia podem mudar para sempre nossa relação com esse lugar.
Um vôo mais turbulento ou barulhento,  uma tarde mais cinza, uma chuva mais pesada, uma trovoada mais alta, um trânsito mais difícil, uma comida sem gosto, um mal-estar, uma discussão, um atendente grosseiro, uma noite mais gelada, uma barata no banheiro, um vizinho mais fechado...tudo isso no dia da chegada pode ser pesado demais e marcar para sempre, de forma positiva ou negativa, principalmente para quem ainda não havia digerido muito bem a mudança.
Então, vai se mudar? Está deixando o país? Está voltando para o Brasil depois da expatriação?
Atenção ao dia da chegada! Prepare seu espírito e tenha em mente que tudo o que você vê e sente nesse dia está influenciado pelas lentes  da mudança. E mudar assusta! Mudar dá medo!
Mesma coisa se você está mudando de uma cidade para outra dentro do Brasil!
Ainda guardo cores, cheiros e dores das minhas mudanças de São Paulo para o Rio, do Rio para Recife...
Enfim...pense no trajeto, no dia da chegada, como um mapa, não como o destino. A ideia que você vai construir sobre seu novo endereço precisa de tempo e de exploração adequada para ganhar corpo!

Carmem Galbes

Esposa expatriada, você não está sendo sustentada! Você está sendo patrocinada!


Em uma dessas conversas super legais que a vida dá de presente pra gente...
Trecho transcrito com a devida autorização:
"Eu odeio ser sustentada pelo meu marido! Isso me humilha, me enfraquece, além de me empobrecer..."
O desabafo é de uma mulher que deixou cargo gerencial em comunicação, salário superior a 15 mil Reais, além dos benefícios, para mudar com os 2 filhos e marido - alçado à alta direção da empresa  alemã, lá na sede.
Eu: Sente mais falta do trabalho ou da renda?
Ela: Na verdade... o que ele passou a ganhar cobre o meu salário com folga...não tenho saudade do trabalho em si, não. Eu estava muito estressada e minha atividade pegou um rumo que eu não queria muito...passou a exigir cada vez mais a minha presença no trabalho e a minha ausência em casa, com as crianças...Pedir demissão foi um alívio pra falar a verdade, ainda mais porque pedi demissão por causa de outra pessoa rsrsrs...Mas sinto falta de me sentir importante!
Eu: Você só conseguiria se sentir importante de novo trabalhando?
Ela: Não necessariamente, mas teria que perceber se estou fazendo a diferença e isso eu não sinto hoje...
Eu: De repente você precisa rever seus conceitos sobre o que é fazer a diferença...
Nossa conversa parou por aí...ela foi para a rotina com as crianças e eu voei para o computador.
Uma pulguinha não saía de trás da orelha, uma não, várias!
A mulher que deixa seus próprios planos em segundo plano para apoiar a carreira do marido em outra cidade, outro país tem a tendência em sentir que saiu perdendo, que virou coadjuvante, café com leite, socialmente invisível, quase como um peso morto, ainda mais se a cultura local não ajuda.
Mas será que é isso mesmo?
  • Será que, na verdade,  a expatriação não é só o pano de fundo, a desculpa do universo para que a gente faça o que tem que ser feito, que faça na vida o que a gente veio realmente fazer aqui ?
  • Será que, na verdade, o marido transferido não é mais uma peça dessa conspiração do universo para que a gente assuma a nossa missão? Achamos que mudamos por causa dele, mas será que o universo não colocou uma expatriação na carreira dele para nos atingir?
  • Dizemos que perdemos a renda, que agora o marido ganha os tubos e nós nada, mas será que, na verdade, o universo não turbinou o salário dele para fôssemos patrocinadas para fazer o que temos que fazer nessa vida?
  • Então não estamos sendo sustentadas, mas sendo patrocinadas?

Bom...se é patrocínio a história é outra! Temos que mostrar trabalho! Dar resultado! A vida está nos patrocinando para que algo seja feito, que algo aconteça!
Que algo é esse?
Já descobriu?
O que você sempre quis fazer e só agora você pode porque tem patrocínio?
E a pergunta mais importante, vou até falar alto:
COMO VOCÊ ESTÁ HONRANDO ESSE PATROCÍNIO?
Então, para que fique bem claro: Coexpat, você não está sendo sustentada, você está sendo patrocinada!
Durma com um barulho desse!
Carmem Galbes

Diário de mudança: o dia que os móveis vão embora...

Faz cinco  meses que meu endereço mudou, mas lembro como se fosse hoje!
A semana foi assim: entre caixas, janelas e portas escancaradas, armários vazios, lembranças embaladas, pessoas indo e vindo, barulho de fita adesiva sendo cortada, poeira, as vezes um goool escapando em uma comemoração contida - é copa, tv fica intacta até o final. 
Fui "vendo" os quartos ganhando eco...Oi...oi...oi...

Por um tempo essa casa foi minha. Era alugada, mas totalmente minha! 
Abrigou minha história e de minha família. Nossas conquistas, nossa alegria, nossos anseios...acolheu nossas angústias, nossos amigos, nossos parentes. Quanta visita boa que trazia um pouco dos lugares que deixamos pra trás... As paredes tinham ouvidos, braços, coração...que casa delícia, amada! Agora ela será de outros e que siga feliz em sua missão!

De todas as cenas que me encheram os olhos nos últimos instantes, essa foi a que mais aqueceu meu coração: a bicicleta embalada. Veio como uma mensagem dos anjos que ficam voando em volta da gente: a vida é um passeio de bike, ora com o Sol assando, ora com a chuva rasgando, ora com a brisa relaxando. 
E assim sigo para um novo endereço. Será o fim da vida nômade? Quem sabe? E que diferença faz saber, já que partindo ou ficando, a bicicleta está sempre comigo! 

Como foi a sua última mudança
Como quer que seja a próxima? 
Carmem Galbes

Marido expatriado, dor e solidão. Quando o homem tem que engolir o choro mais uma vez.


Comecei a pesquisar e a falar sobre o universo da mulher que deixa seus próprios planos em segundo plano para apoiar a carreira do parceiro em um outro lugar há 10 anos, quando meu marido foi transferido para os Estados Unidos.
Minha ideia era abastecer um blog para, de volta ao Brasil, poder mostrar ao meu futuro empregador que eu não tinha ficado parada, eu tinha produzido!!  Na época, eu ainda achava que eu era uma máquina...
As pesquisas foram avançando e eu me apaixonei pelo tema.
Não só não parei mais de escrever sobre isso, como reestruturei minha carreira a partir desse conceito: que a expatriação também fosse enriquecedora para a "esposa expatriada" e não apenas para o profissional transferido.
Escolhi olhar especificamente para a "mulher que acompanha"  por dois motivos:
1 - Estratégia: como jornalista, queria falar com a maioria. De cada 10 expatriações, 8 ainda são motivadas pela carreira deles, apontam relatórios.
2 - Minha história pessoal e minha própria dor: em 10 anos mudamos 5 vezes de endereço por causa da carreira do meu amor.
Mas quando é o homem que acompanha a mulher?
Quando o expatriado vira "marido expatriado" o que acontece com ele?
O senso comum, inclusive entre as mulheres, é que a dor é maior.
Dor é dor!
Existe dor maior, dor menor ?
Dor é uma questão de ponto de vista, de referenciais, de valores e ponto!
Mas...
Ok, tenho a tendência, nesse caso,  em seguir o senso comum: sim, também acredito que a dor do "marido expatriado" seja maior.
Pode ser por uma questão arquetípica do feminino que embasa e do masculino que se lança e lança ao mundo.
Pode ser pela questão histórica e social do homem como provedor.
Pode ser pela questão histórica e social que traz para o universo da mulher o conceito da dependência como algo natural e esperado.  Embora eu tenha uma profunda dificuldade em entender o que seja dependência em um casamento, que pressupõe objetivos em comum.
Pode ser por uma questão biológica, de hormônios, de sinapses.
Mas sabe o que eu acho mesmo?
Dói mais porque homem que é homem não chora.
Nossa...e como a gente chora quando perde as coisas que a gente acha que gosta, quando perde a mesa no escritório, o crachá, o cargo, quando perde o gosto de reclamar que não tem tempo pra nada, quando perde o contracheque, quando perde o reconhecimento e o elogio por algo que se esforçou muito, quando fica socialmente invisível, porque - no mundo dos adultos - você só tem forma e cor se você dá algum tipo de resultado palpável para alguém, especialmente se esse alguém for uma pessoa jurídica.
A gente, mulher,  chora...
 Mas homem foi criado para engolir o choro.
Não pode chorar e tem que aceitar o julgamento, as brincadeiras maldosas, o olhar impiedoso de quem não tem a mínima ideia do esforço que se faz para sufocar os conceitos e preconceitos e apoiar o sucesso alheio...
Dar conta das próprias perdas e angústias e ainda cuidar da rotina da casa, dos filhos, da logística, ser a ponte entre a família e a nova cultura e sem poder se abrir, sem ter um olhar, um apoio, sem ouvir um "eu sei o que é passar por isso" é abraçar um papel pesado demais para qualquer ser humano criado para produzir e dar lucro.
Pior é quando o "marido expatriado" se convence de que toda essa gente do mal tem razão...
Como apoiar esse homem ? Como apoiar essa mulher transferida ?
Meu mantra: apoiando a família. Tratando a mobilidade de profissionais como um projeto em família, em que cada um tem um papel fundamental para fazer dessa transferência um sucesso para profissionais e empresas.
Mas quando a estratégia vai além da nossa própria ação, o retorno pode não vir na velocidade que gostaríamos.
Assumir a função de dar suporte à carreira de outra pessoa é uma decisão séria, que exige autoconhecimento e superação constante de modelos cravados a ferro e fogo em nossa alma por aqueles que amamos, que são nossos referenciais.
Ninguém avança nessa seara sem auto-análise, baby, sem auto-análise, autocrítica  e humildade.
Por que exatamente nos sentimos péssimos - não importa se somos mulher ou homem -  quando muitas das nossas ações diárias, independente se pra lá da fronteira ou não - são em nome do sucesso de outra pessoa?
Quando ameacei dar as mãos com a vitimização e ousei imputar no outro o resultado da minha escolha em aceitar a coexpatriação, me fiz - com muita dor - algumas dessas perguntas:
  • Será que eu sou mesmo uma pessoa altruísta, livre do olhar alheio?
  • Será que eu valorizo mesmo o trabalho doméstico?
  • Será que eu valorizo mesmo a família?
  • Qual é o meu conceito de maternidade?
  • Será que eu valorizo mesmo a maternidade?
  • Qual é o meu conceito de cuidar?
  • Será que eu me permito ser cuidada?
  • O que me faz acreditar que a função que eu estou exercendo não é digna da minha energia, da minha atenção?
  • Será que eu acho que eu sou boa demais, inteligente demais, especial demais para fazer o que eu estou fazendo? Por que eu acho isso?
  • Será que eu quero mesmo o desenvolvimento do meu cônjuge?
  • Por que mesmo eu aceitei essa mudança? Para apoiar alguém ou para fugir de algo que eu não tinha mais coragem de encarar?

É preciso ter coragem para ouvir as respostas.
O discurso é lindo mas a prática é malcheirosa...
Por que tantos parceiros e parceiras entram em crise em um processo de expatriação?
O que muita gente não percebe é que a crise vem, cedo ou tarde, ela vem pra todo mundo, glória!
 Vem na expatriação, porque expatriação faz a gente morrer e nascer de novo, e de novo, e de novo. Quando é coexpatriação, então, nem se fale.
De todas as perguntas que me fiz, a que fez a diferença, que mudou mesmo o curso da minha história foi: o que eu vou fazer com essa minha nova vida, esse meu novo eu? Como eu posso melhorar o meu mundo com o que eu tenho aqui e agora?
Entre casa, comida e roupa lavada, me envolvi com o árduo trabalho de descobrir qual seria minha missão especial nessa minha existência.
Sim, acredito de verdade que cada um de nós tem uma missão muito especial.
 E graças aos céus que há crises!
Porque, geralmente, elas são o cenário onde nossa missão, ou missões, são reveladas.
Quando iria me imaginar falando para um público tão específico, tão ignorado?
Nunca. Eu sempre me via na grande mídia, tratando de assuntos que me mandavam tratar e garantindo meu status e minha renda no fim do mês.
Mas o auto-questionamento veio forte e cá estou nesse "mar internético" com a minha missão de não deixar que desavisadas se afoguem e de resgatar náufragos, que precisam pisar a terra firme de novo para que a vida de outras pessoas voltem a ter brilho!
Como você - homem ou mulher - com esse seu novo modelo de vida pode melhorar o seu mundo ou o mundo de alguém? Como você pode fazer a diferença com esses novos ingredientes que você tem em mãos?
Sabe aquele negócio de que Deus escreve certo por linhas tortas?
Quando a gente pensa nesses termos, não sobra espaço para lamentação.
Fico aqui pensando se não está na hora de tirar o gênero do meu trabalho.
Seria uma grande conquista falar com o cônjuge expatriado, não apenas com "esposa expatriada" porque dor da perda é dor e ponto.
Sabe o que seria conquista mesmo? O meu trabalho não ser mais necessário, porque o papel do "cônjuge expatriado" seria reconhecido e valorizado por todos, inclusive por ele próprio.
Seria uma conquista mesmo eu poder viver sem ter que escrever da dor.
Escrever só sobre cor, sabor e toda a incrível expansão de consciência que se pode ter vivendo em uma cultura diferente da nossa, não importa o que nos levou até lá.
Falar de cor, sabor e de amor - para não perder a rima e falar do que realmente importa, amor...eu amo os homens. Tenho referenciais incríveis na minha vida: meu marido, meu filho, meu pai, meus irmãos, meus avós...
Eu falo com as mulheres.
Eu amo os homens e as mulheres, porque a vida não é uma questão de homem e mulher, é uma questão de gente.
E gente nasceu para ser feliz!

*uso marido expatriado entre aspas como uma forma de protesto porque  acredito que o papel de quem acompanha e dá suporte ao profissional transferido não pode ser reduzido ao estado civil. Faço o mesmo com "esposa expatriada", mas para nós já adotei o termo coexpatriada.

Carmem Galbes

Expatriação e divórcio.

Olá, Coexpa t ! Eu poderia começar esse texto com números sobre a taxa de separação entre os casais que embarcam em uma expatriação. Númer...