Ike em detalhe.

Olá, Coexpat!
Um amigo pediu para eu dar mais detalhes sobre meu primeiro contato com um furacão bravo. Então tá.
A temporada de furacões no Texas começou em primeiro de Junho. Já passaram por aqui Arthur, Bertha, Cristobal, Dolly, Edouard, Fay, Gustav, Hanna, Ike. Isso mesmo...A...B...C...D...os nomes seguem o abecedário.
Como já disse, Edouard foi o meu primeiro furacão. Um contato que não passou de: “nossa, só isso?”
Depois de enfrentar congestionamento nos corredores de água e comida enlatada, depois de ver que furacão pode ser só uma garoa e de perceber que as pessoas estão meio cansadas de tanta ameaça, decidi que também não iria embarcar no que chamam aqui nos Estados Unidos de indústria do furacão.
Com o Ike seria assim, não fosse um detalhe: o estrago em Cuba e no Haiti, onde deixou pelo menos 75 mortos. Além disso tinham as fotos do satélite. Eu tenho medo daquela imagem cinza, daquele olho grande...
Aí começou.
Terça-feira: o governo do Texas manda os moradores do litoral deixarem suas casas.
Quarta: Os canais de tv suspendem a programação normal e dão espaço pleno ao fenômeno.
Quinta: Ike é o tema das aulas na universidade.
Eu realmente não acreditava que estava em risco. Eu e meu marido decidimos não deixar a cidade. Fomos ao mercado, como todo mundo. Água, pilha, vela. Já que enlatado só desce mesmo em furacão, o estoque feito antes do Edouard estava intacto.
Sexta: tentamos almoçar em algum lugar. Às três da tarde já estava tudo fechado.
Passamos o dia grudados na tv. O avanço da maré avisava que o Ike não deveria deixar a categoria 2 de uma escala que vai até 5 - nível mais violento do fenômeno...não foi isso que aconteceu...

Às sete da noite já víamos os repórteres chacoalhando em Galveston, litoral do Texas.
Decidimos dormir...Pensamos que dormindo, a história acabaria logo. 

Capaz! O balanço das janelas nos expulsou da cama. 
Como o conselho é ficar no cômodo mais central da casa, o que está protegido por mais paredes, montamos acampamento no banheiro da suíte, que não tem nem janela.
Seguimos as dicas de quem tem experiência no tema: levamos com a gente - além do kit sobrevivência: água/comida/lanterna, mochila com documentos e sapatos - caso os estilhaços de vidro se espalhassem pela casa. Animador, ?
E no banheiro ficamos por umas quatro horas.
Um amigo me perguntou se tive medo. Não sei dizer. Fiquei pensando se o vento levasse o teto. Sabe aquela imagem da vaca voando? Não que eu tenha vaca em casa, mas aquela cena do Twister é simbólica. Tudo pelos ares...
As rajadas é que assustaram. Por várias vezes o vento diminuiu, o barulho ficou longe. E, de repente, vinha um estrondo. Parecia trem fantasma.
Não me atrevi a tentar ver algo pela janela, acompanhei tudo pelo meu mp3 a pilha.

Dos estúdios de tv, apresentadores e repórteres, em rede com as rádios, tentavam traduzir imagens em palavras.
O conselho mais interessante foi de um meteorologista sênior que sugeria distrair a criançada, porque o som do vento não era nada agradável. Depois dessa, aí que não larguei o radinho.
Lá pelas cinco da manhã tudo acalmou. Calmo até demais. Nenhuma sirene. Ninguém falando. Nem pingo d’água. Já estávamos sem o básico. Torneira seca e geladeira desligada.
Andar pelos corredores totalmente escuros do condomínio logo após um 11 de setembro - mesmo que sete anos depois, mesmo que por outros motivos - não foi nada agradável.
Na rua, raízes para o alto, semáforos - os que resistiram - piscando.
Deu uma tristeza...profunda...
Água continua só engarrafada. 

Gasolina continua 50 centavos mais cara, fora a fila.
Ainda estamos sem tv a cabo. 
Internet conseguimos emprestada. 
Todos continuam suspeitos. Toque de recolher à noite, pelo menos até sábado. 
Escolas seguem fechadas. 
Comida enlatada? Vai seguir estocada. É que a tal temporada de furacões só termina em 30 de novembro.
Em tempo, o próximo furacão já está a caminho e já foi batizado: Josephine.

Foto de um leitor do jornal The Houston Chronicle.

Carmem Galbes

Quando o furacão leva o que não deveria e deixa o que não precisava...

Olá, Coexpat!
Houston, a terra que manda o pessoal pro espaço ficou isolada do mundo... 
Só consegui uma internet capenga agora.
Minha família passou pelo Ike sem feridos, nem danos, nem traumas.
Depois da sexta estranha...veio o sábado esquisito. 

O furacão chacoalhou as portas e janelas do meu apartamento por umas três horas. O vento de 150 km/h levou a nossa noite de sono, a água e a energia elétrica.
Tínhamos nos preparado para um período assim, que - na minha cabeça - não passaria de algumas horas.
Sem infra, com prefeito dizendo que luz era assunto da companhia de energia e com toque de recolher das 9 da noite às 6 da manhã, decidimos avançar para Dallas.
Foi bom! Água quente, gelo, mas pouca notícia.
Voltamos para Houston assim que o básico por lá foi restabelecido.
Combustível ainda é raro. Chegamos a pagar US$ 4,08 por galão. Antes do furacão estava em torno de US$ 3,60.
Interessante foi ver o talento na arte de estocar. Não satisfeitos em abastecer o tanque, vi fulaninhos e fulaninhas enchendo tambores e mais tambores. Mas temas como solidariedade e empatia parecem não entrar em pauta para algumas pessoas nem quando a vaca voa! 

E o furacão, que levou tanta coisa importante, acabou deixando outras que - definitivamente - poderiam desaparecer...
PS. O prédio da foto é o mais alto de Houston, 75 andares. É a sede do JP Morgan Chase. Todas as janelas foram quebradas. Não, não é brincadeira de mal gosto...

Foto de James Nielsen: Chronicle - Centro de Houston - 13.09

Carmem Galbes

O furacão apronta e eu é que fico de castigo?!

Olá, Coexpat!
Tentei almoçar por aí...tudo fechado...de restaurante a posto de combustível, de mercado a shopping center
Sinistro...
As janelas estão todas cobertas por tapumes de compensado. 
A cidade está vazia...vazia...
Passei o resto do dia grudada na tv.

Assisti a muito congestionamento!
O percurso entre Houston e Dallas, que leva umas 4 horas de carro, chegou a ser feito em 12. 
Vi o Ike avançar a cada minuto.
Vi também a polícia passando de casa em casa para ter certeza que as pessoas tinham deixado os locais considerados de risco.

E ainda vi o drama dos pobres. Saber que a casa pode sair voando essa noite, ter que ir para abrigo...
Além do vento, da enchente, dos estragos, dos feridos...o governo também tem que ficar de olho nos oportunistas. Então, toque de recolher! Minha região ficou fora da lista, mas quem se arrisca a sair? 

Eusinha!! E ainda queria almoçar fora! 
Vai tomar no olho do Ike! Estou de castigo... 
Porque ter que ficar em frente à tv, vendo um urso morfético infernizar a vida do repórter de plantão em pleno hurricane, é mesmo um castigo!

Foto de Smiley N. Pool: Chronicle - Houston 11.09

Carmem Galbes

Adeus escova...

Olá, Coexpat!
Agora o furacão está me deixando de cabelo em pé!
O negócio é fazer o que as “otoridadi” mandam: meu kit desastre já está ok, mas não, não evacuei a cidade.
Aliás, ô palavrinha ordinária para o contexto, hein?
Uma amiga - em bom carioquês - diria, tem que evacuar porque esse furacão vai dar a maior mer...!
Eita natureza sábia. Chega uma hora que ela cansa, aí manda todo mundo sair.
As bombas de gasolina viram cambalhota de tanto cuspir combustível!
As estradas lembram feriadão em Santos.
A criançada fica feliz da vida porque não tem aula.
Por falar nisso, um colega de classe do Kuwait sugeriu aproveitar o dia sem universidade para um churrascão na sexta. É que esse furacão pra ele é um ventinho, ?
Mas o negócio é estocar água potável, enlatados e pilha, deixar a lanterna por perto e rezar pra que ninguém fique ferido.
Se por acaso eu não aparecer nos próximos dias...caiu a rede de energia - ESPERO!


Carmem Galbes

Esse furacão me deixa zonza!

Olá, Coexpat!É a primeira temporada de furacão que eu pego na minha vida. 
Já enjoei! 
Cansei desse negócio de um alerta de desastre por semana. Quem consegue viver nessa situação de tragédia iminente?
É um ufa atrás do outro!!
Ok, prefiro que continue assim, só alerta, só ameaça...
Mas, para mim, “já deu” esse clima de pavor que se instala dias antes da chegada do bicho e a novela que se faz em torno dele.
Com a TV, já aprendi todos os nomes: começa como tempestade tropical, vai para tornado, aí vem o furacão de 1 a 5. Também já peguei várias dicas ultra-mega-exclusivas sobre a melhor forma para se preparar para a visita. Desocupe a varanda, proteja as janelas. Se tiver que deixar a cidade, não esqueça do seu animal de estimação...Oi?!
Tem gente que prefere acompanhar os sites especializados que trazem zilhões de fotinhos coloridas, números, projeções e pouco juízo de valor.
Ah, tem ainda a tal cartinha do condomínio lembrando que eles não se responsabilizam por nada. Nossa que novidade...
Mas a natureza é assim. Eu que saia da frente!

Aliás, preciso ir. Vou atrás do kit água-lanterna-angu-mochila.
Espero que seja só mais um treinamento...um treinamento intercultural!


Carmem Galbes

Leve Entrevista. Adaptação ao Diferente.

Olá, Coexpat!
Com uma bagagem que inclui a própria expatriação, a psicóloga Andrea Sebben fala sobre assuntos bem conhecidos de quem está longe do ninho, como medo e solidão. 
A profissional, especialista em ajudar @ brasileir@ a ser bem-sucedid@ lá fora, trata das dificuldades da expatriação e sugere caminhos para que essa seja, sim, a melhor viagem da vida. Aproveite!

Leve: O seu trabalho é uma prova de que as empresas estão empenhadas em investir na adaptação d@ expatriad@ e sua família. No que se refere à família, ela conseguem ter a noção dos desafios pessoais dessa experiência ou a maioria ainda subestima o futuro dia a dia em uma cultura diferente?
Andrea: Acho que a grande maioria ainda subestima as dificuldades da expatriação. Há algumas razões para isso, no meu ponto de vista. A principal delas é defender-se de seu próprio medo e angústia, afinal de contas, não se pode falar em migração sem falar em medo e insegurança. Portanto, menosprezar as dificuldades é uma forma também de sentir-se mais seguro e no controle da situação - o que é praticamente impossível. Migração é risco e é ambivalência também. Lidar com esses aspectos é muito difícil mesmo. Outra razão é a quantidade de aspectos burocráticos que precisam ser resolvidos não deixando tempo para uma reflexão mais consistente.

Leve: Assim como há pessoas que não possuem determinados talentos, é possível dizer que há profissionais que não têm e não conseguirão desenvolver um perfil para a expatriação?
Andrea: Sim, é possível dizer isso à luz da psicologia Intercultural, que define as personalidades migratórias. Existem pessoas que são naturalmente bem-sucedidas na migração por terem facilidade em criar vínculos, em experimentar coisas novas, em adquirir um novo idioma e, principalmente, porque conseguem participar de grupos muito facilmente. Fazer parte de uma comunidade e vincular-se ao país hospedeiro são cruciais para o expatriado - o que explica tantos grupos de expatriados ao redor do mundo.
Outra personalidade é aquela que sofre com a separação, que tem dificuldade em criar vínculos, em sentir-se parte do grupo, em aprender um novo idioma, em experimentar novos alimentos, enfim. Essa sofre na partida, durante a expatriação e quando volta - pois uma vez que se estabelece na cultura estrangeira, sofre demais também ao retornar ao país de origem.


Leve: No seu livro "Intercâmbio Cultural:um guia de educação intercultural para ser cidadão do mundo" a senhora fala sobre stress aculturativo, desentendimentos, gafes e retorno ao país de origem. Quais seriam as principais características da família e da escola preocupada em formar um expatriad@ feliz?
Andrea: Nesse caso você está falando d@ estudante estrangeir@ numa casa de família hospedeira. Acho que tanto os hospedeiros como as escolas deveriam fomentar a amizade com nativos - e não com estrangeir@s. Tenho uma certa resistência às escolas americanas - ou escolas internacionais como chamamos aqui no Brasil - que fazem uma grande reunião de estrangeir@s e falam outro idioma que não o português. É praticamente a criação de um gueto, porém, de estrangeiros.
@ estudante pode aprender a apreciar a escola, o idioma e a cultura local e é nesse sentido que se criam vínculos interculturais - na diversidade. De que adianta, por exemplo, ir aos Estados Unidos e frequentar uma escola de brasileiros e falar português? Quando isso acontece aqui no Brasil acho que todos perdem, sobretudo a criança.

Leve: Qual a sugestão para @ expatriad@ que ainda não conseguiu identificar as belezas e delícias dessa experiência?
AS: Abrir-se definitivamente. Não se entra na experiência intercultural com uma visão fechada, etnocêntrica, que nos convida apenas à comparação e ao julgamento. Enquanto não conseguirmos apreciar as pessoas, os sabores e as paisagens a partir do contexto local, não conseguiremos compreender, perceber e apreciá-los tais como são.


Andrea Sebben é psicóloga, mestre em Psicologia Social e membro da IACCP - International Association for Cross-Cultural Psychology. www.andreasebben.com.br

Carmem Galbes

Expatriação e a experiência de quase morte.

Olá, Coexpat!
Fiquei pensando que desbravar uma cultura diferente, seja ela estrangeira ou não, poder ser similar à experiência de sair do corpo, à experiência de quase morte...

Você, desorganizada nessa sua condição de coexpatriad@, deve estar pensando: isso mesmo, sou um@ mort@-viva.
Não! Não é esse o ponto! A ideia aqui é sempre deixar uma mensagem positiva!

Vamos lá!
Eu adoro ler as histórias: a pessoa está dormindo ou está em coma e sai por aí flutuando. Tenho preferência pela parte em que o ser flutuante narra a sensação de ver o próprio corpo, deitado, existindo independente da alma que agora está grudada no teto...
Bom, em geral, pelo que pesquiso, a pessoa que não vai em direção à famosa luz volta mais otimista, feliz e com energia para vencer desafios. Fruto, defendem os especialistas, de um aumento da noção do diferente, de que há vida na morte, que há possibilidade até no impossível.

É aí que eu acho que esse processo de quase morte pode ter muitos traços em comum com a expatriação.
Em uma nova cultura, praticamente deletamos nossa receita de vida. Não por que simplesmente abandonamos nossas referências, mas porque precisamos abrir espaço para perceber um mundo diferente, porém repleto de sinônimos do nosso antigo modo de viver.

Acho que o sinônimo não está só na fala e na escrita. Está na ação também.
Um exemplo besta: lavar roupa. No Brasil o esquema é máquina, varal e ferro. Aqui nos States é máquina de lavar, de secar e guarda-roupa, não tem que passar. Modos diferentes para um mesmo objetivo: roupa limpa.
Tudo bem, as pessoas adotam determinado esquema por motivos que vão da facilidade à viabilidade econômica. Pode ser por costume também...
O fato é que quando aceitamos fazer as coisas de outra forma ganhamos uma espécie de senha, uma chave capaz de abrir sem grandes traumas - pelo menos assim deveria ser - os cadeados que impedem a nossa inserção em um mundo que pode ser novo, louco, inacreditável e por aí vai, mas que carrega todo um potencial de alargar e aguçar os sentidos!

Então não tema a experiência de quase morte pela qual tod@ expatriad@ passa. Saiba que essa é só mais uma experiência, só mais uma. Depende de você acordar para essa nova vida ou não. 
É uma escolha!

Carmem Galbes

Expatriação e divórcio.

Olá, Coexpa t ! Eu poderia começar esse texto com números sobre a taxa de separação entre os casais que embarcam em uma expatriação. Númer...