Transferência profissional: um acordo em família.

Como vai a sua carreira?
Como estão as suas finanças?
Como está a sua autoestima?
Quantas vezes, na última semana, alguém sugeriu ou disse - sem rodeios mesmo - que você não deveria reclamar de nada?
Quantas vezes na última semana você se sentiu tão culpada...que pediu perdão a Deus - espremendo as suas mãos com força -  e ficou morrendo de medo de uma onda de azar entrar na sua vida porque você está desestimulada, se sentindo fracassada, a pior pessoa do mundo, apesar da carreira do seu marido estar bombando, de o salário dele dar para toda família e ainda sobrar, de a casa ser linda?
Ao mesmo tempo, quantas vezes na última semana você ficou com raiva de você mesma por ter aceitado largar o seu trabalho, a sua independência financeira, a sua rede de apoio em nome da carreira de outra pessoa?
Há quanto tempo você oscila entre culpa e raiva, raiva e culpa?
É assim mesmo que deve ser?
Quantas e quantas vezes testemunho pessoas inteligentíssimas sendo esmagadas pelo estereótipo da mulher que acompanha o marido em uma mudança: dondoca-folgada-ingrata?
Aí eu penso como deveria ser a cena de anúncio de uma transferência: 
- "Oi gata, recebi uma proposta ultra-mega-power para trabalhar no fim do mundo." (Pausa para close no rosto do maridão, sorriso campeão, um 'tim' no dente branco e aquela piscada matadora).
Ai entra a mulher - não a mãezona que se sacrifica por tudo e resolve a vida de todos - a mulher mesmo, ser humano, que pode ter carreira e ganhar dinheiro sem ser acusada de ser gananciosa: 
- "Parabéns, honney, você merece!" (Pausa para beijos, abraços, brindes e planos)..."Mas...o que eu ganho nisso?"
- " Bem...tem meu mega-blaster-salário, um pacote de expatriação com casa-comida-roupa lavada, vamos conhecer uma nova cultura, passear muito, além de você poder deixar seu trabalho que te estressa tanto..."
- "Pera aí...eu me estresso, mas passa...você terá um salário, eu não...teremos casa-comida-roupa lavada, mas eu farei sozinha o trabalho pesado de montar uma casa do zero, de empurrar pra fora a saudade, de abrir as nossas vidas para a cultura local, de enxugar as lágrimas das crianças que estão levando mais tempo para fazer novos amigos..."
O maridão sacando tudo: - "ok, quanto você quer para entrar nessa comigo?"
A mulher faz uma lista de tudo que vai abrir mão, das tarefas que vai perder e vai ganhar e da responsabilidade que vai assumir. Ela chega ao número. Anota no guardanapo e passa ao homem.
Ele desfaz as dobras temeroso. Ele sabe qual é o atual salário dela. A proposta é um tabefe: "Você tá doida? Isso aqui é 37 vezes o meu salário, incluindo o bônus! Diz que você não quer ir que é melhor"
Ela rebate: "Ué, diz você que meu trabalho não vale isso ou que você não quer pagar!"
Pausa para a cena clássica: braços cruzados, olhares para o infinito, climão!
Mas o cara é inteligente! Não é à toa o reconhecimento que tem: "Querida, você deveria receber muito mais por esse trabalho, mas eu não consigo pagar esse valor. Está aberta à negociação?"
Ela derrete. É lógico que ela quer ir. Será uma super chance para a carreira dele e para a experiência de vida de toda a família. Ela quer ir, mas quer ir de igual para igual!
E então surge a contraproposta:
  1. Escreveremos, juntos, o propósito dessa mudança. Decidiremos quanto tempo estamos dispostos a "ficar fora", o que nos fará desistir, o que faremos com o dinheiro, como vamos lidar com a minha carreira. Tudo será anotado! Esse documento será assinado e ficará visível para que a gente nunca se esqueça de como chegamos aqui.
  2. O salário será nosso. E a poupança que fizermos lá também. 
  3. Se eu conseguir trabalhar lá, o meu salário também será nosso.
  4. Nunca, nunca, nem por brincadeira, você dirá ou insinuará que a sua vida está mais difícil que a minha. As atividades e os cenários em que atuaremos podem ser diferentes, mas a peça será um grande desafio para todos!
  5. Entenda que quando eu reclamar da cidade ou do modo das pessoas, eu não estarei reclamando de você, nem para você, nem do fato de você ter aceitado o convite. Só estarei elaborando situações difíceis e, principalmente no início da nossa vida nesse novo lugar, só conseguirei fazer isso através de você. Se você me recriminar, ficarei magoada com você e com raiva de mim!
  6. Confie em mim! Deixe-me tomar as decisões que acredito que farão diferença na qualidade de vida de nossa família. Eu passarei - pelo menos no início - a maior parte do tempo em nossa casa, então deixe que eu escolha o imóvel, o bairro, os móveis. Não se preocupe com isso. O fato de eu pedir a sua opinião ou ajuda não quer dizer que estou abrindo mão dessas decisões!
  7. Lembre-se que você será exigido muito mais na empresa e - na mesma proporção - na família. Você terá que se dedicar a sua família com o mesmo afinco com que se dedica ao trabalho. Sei que não conseguiremos o mesmo número de horas em casa, mas precisamos que você passe momentos importantes com a gente: alguma refeição do dia, algum momento antes do sono, finais de semana. Que você esteja presente de corpo e alma.
  8. Você terá que disponibilizar doses infinitas de paciência.
  9. Você será, pelo menos no início, minha principal fonte de reforço positivo. Por ter aberto mão de tantas coisas, nem sempre conseguirei enxergar a minha força. Então sempre reconheça a minha importância nisso tudo. Diga em voz alta como sou importante nisso tudo! Um beijo e um abraço no lugar de uma cara de saco cheio salvarão o dia! Me comprometo a fazer o mesmo por você.
  10. Assumo que a decisão de ir também é minha. Fica vetado que eu te culpe por qualquer coisa.
  11. Eu não estarei mais chata, mais brava, mais ciumenta, mais consumista, mais estressada, mais nervosa. Assim como você, estarei insegura, exausta e sentindo a pressão de não poder falhar. Então me ouça. Se não puder falar nada que some, que melhore a situação, simplesmente me ouça!
  12. Nunca, nunca, em hipótese nenhuma, nem por brincadeira, me chame de louca. Eu sei que - com a mudança - enlouquecerei um pouco, mas deixe-me acreditar que só eu saberei disso.
  13. Ao mesmo tempo, fique atento a mim. Talvez eu precise de ajuda profissional.
  14. O mais importante: entenda que estou aqui por nós. Se você não ficar nessa comigo, também não conseguirei ficar nessa com você.
Foram dias de conversa. No item 2 ele queria trocar "salário será nosso" por "pagar uma mesada". Ela argumentou que quem recebe mesada é filho e então seria  melhor voltar ao salário que ela tinha proposto. Ele preferiu ficar com "nosso salário". Os dois combinaram que - para a saúde das finanças da família- todo gasto acima de uma determinada faixa seria decidido pelos dois, não importando de quem fosse o gasto.
Ele queria tirar também o item 6. Tinha receio, como a maioria, de ela enlouquecer nas compras...O item 6 ficou, já que o item dois acabou acertando a questão.
Se essa história é real? Se ela está aqui escrita, agora é.
Pode não ter acontecido ainda...
Desconfio que terá mais chance de ter uma expatriação feliz quem fizer essa história  acontecer!

Carmem Galbes

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