A casa perfeita é a casa possível.

Estou aqui, totalmente emaranhada em meus devaneios.
Enquanto - vez ou outra - penso alto durante as conversas comigo mesma, vou mapeando, quase em transe, a casa onde vivo.
Penso nas paredes que derrubaria, no piso que - certamente - trocaria, nos azulejos que substituiria, nos armários que colocaria, na cor que mudaria. Penso nos antigos moradores e o que buscavam ao escolherem certo tipo de torneira, por exemplo.
É um exercício pra lá de gostoso, que me relaxa e só! 
É pura imaginação...sem intenção nenhuma de encher a casa de pedreiros, mesmo porque ela é alugada e ela é provisória. Há algum tempo é assim, coisa de quem nunca se atreveu a dizer não as mudanças ofertadas pela vida.
Mas aí, para meu tormento, vem Hilda Hilst e sussurra: "A minha casa é guardiã do meu corpo e protetora das minhas ardências..." 
E aí? 
A casa é - então - extremamente importante porque é ela quem abriga o meu corpo, o local onde está tudo o que sou.
Não, não pode ser - então - qualquer casa, tem que ser 'A' casa perfeita: com paredes no lugar certo, com os móveis sob medida, com a cor ideal.
Vixe!
Coitado de quem está comigo sob o mesmo teto.
Piração total! Aquela vontade de por a mão na massa atropela tudo.
Eu me conheço: ninguém mais vai ficar sossegado no fim de semana. Serão mil visitas a esses home centers, mil cotações, a trena vai ficar neurótica esticando e encolhendo - tirando mil medidas.
Cansada só de pensar, eu respiro, respiro de verdade, puxando o ar pelo nariz e soltando pela boca.
Estirada no sofá, eu abro a minhã mão direita em direção ao infinito e peço uma pausa para Hilda Hilst.
Ela atende!
Silêncio.
Aí sim consigo me ouvir: a casa perfeita não existe para quem se rende à mobilidade. A casa de quem vive mudando de endereço é a casa possível e - ao mesmo tempo -  repleta de potencial - o que pode ser muito interessante.
Aprendi que não tem problema, vez ou outra, implantar no apê alugado alguma coisa do meu projeto de casa ideal. Não, não dá para mudar a disposição da pia da cozinha, mas já aconteceu de - em uma nova cidade - um quadro novo, um móvel diferente, um tapete mais extravagante ajudarem a me sentir em casa mais rápido.
Nessa minha atual experiência, por exemplo, decidi instalar uns cortineiros. 
Falar de cortina numa hora dessas? 
Sim: e não são cortinas, são os cortineiros - aquele negócio que esconde o trilho! Ok, coisa pequena,  mas um detalhe que trouxe beleza e aconchego, e um carinho ao se começar uma nova jornada é sempre muito bom. 
Gesso? Nem pensar. Pesquisando acabei encontrando uma solução simples, rápida, limpa e mais em conta do que eu calculava: cortineiro em MDF!
Alguém pode me provocar: "Dã...descobriu a América!"
Não desbravei um continente, mas percebi que tenho lá criatividade para dar um up grade na estética de um ambiente! E dar uma massageada no ego - identificando novos talentos - é outra forma de encarar com mais leveza uma mudança!
Enfim...o que não dá é para passar a experiência em um determinado lugar pensando em como a casa poderia ser, em como tudo poderia ser. Tudo sempre pode ser diferente, mas se tenho uma crença é que a vida que levo é a que escolho, sempre! Isso não quer dizer que não me arrependo de algumas escolhas...enfim 2...
Acho mesmo que a casa de quem muda muito é uma eterna construção, é o puxadinho de todas as casas imperfeitas que já vivi. Essas casas nunca são demolidas da minha lembrança. E na memória elas são ainda mais importantes, porque - apesar de já não guardarem mais o meu corpo - elas protegem da corrosão e dos estragos do tempo tudo o que senti e aprendi em um determinado endereço.

Carmem Galbes

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