Quando um novo idioma abre as portas, a mente, o coração...

“Setembrochove?”
“Se eu tenho o que?”
“Setembrochove?”
“Ã?”
“Uhahahahahahahahaha”
O pequeno Orlando ficou mal, muito mal. Sim, ele era da turma que não levava zoação pra casa.
Minúsculo no tamanho, não podia partir pra porrada. Gigante na inocência, tentava desenvolver o tema: “que cê tá falando, o que que é brochove?”
E a galera - cruel que só: “Uhahahahahahaha”
Tudo bem vai, quem nunca  teve  que parar e pensar para poder responder: “chove, em setembro chove.” Babaquisse, viu!
Mas, como disse, o Orlando não era de brincadeira, não embarcava mesmo! E no seu íntimo prometeu que ninguém jamais  esculhambaria com ele de novo por causa desse inglês.
Coitado do Orlando, né gente?
Mas não teve jeito, ele achou porque achou que o povo estava sacaneando em outra língua.
E Orlando não era de piada, era de trabalho duro.
E lá foi ele para as aulas de Inglês.  Novas palavras, novas pessoas, tudo novo!  Orlando virou bilíngue! 
Seu mundo perdeu a legenda. Ele não precisava mais de ninguém para entender as músicas que ouvia, os filmes que assistia, a comida que engolia.  
Com o inglês, Orlando saiu da caixa. Ele passou a pensar grande e longe! E  lá foi ele cursar o terceiro ano nos Estados Unidos,  e com bolsa de estudo e tudo!
De volta ao Brasil, sucesso no vestibular!
E como Orlando cresceu! 
Da faculdade para a pós no Canadá foi um pulo.
Pulo do gato, aliás, foi a cena incrível que garantiu um estágio em Londres! O diretor da universidade Inglesa havia acabado de dar uma palestra na pós do Orlando. 
Orlando, esperto que agora era, percebeu que o mestre procurava algo. Orlando não hesitou: “Can I help you?”
O professor - perdido em sua mente cheia de teorias - se limitou a pensar alto: “where is the book?”
Orlando ia soltar um “the book is on the table”, ele viu que o livro estava sobre a mesa!  Mas não! Agora Orlando tinha repertório! Além do mais ele havia prometido que jamais seria humilhado novamente por causa do inglês.
Coitado do Orlando, né gente?
Coitado nada,  Orlando arrasou! Descreveu em detalhes onde estava o livro, usou as palavras mais requintadas e se esquivou heroicamente do “the book is on the table.”
O professor - que lecionava literatura comparada - se encantou  com o texto de Orlando, quase um poema. E veio assim, desse encontro inesperado, com Orlando  rasgando seu inglês -  o convite para o estágio que, no futuro , viraria vaga efetiva.
E Orlando rodou o planeta!
Em suas andanças é bonito de se ver como Orlando nunca recorreu a um “the book is on the table” sequer!
Mas o passado bateria à porta...
Durante umas férias, Orlando esbarrou com o fantasma...
Mal soltou um “Orlandoooo!! Quanto tempo!!”,  o abençoado lascou um: “E aí Orlando, setembrochove?”
Orlando ficou enrugado, nossa, nunca vi um rosto se transformar daquele jeito, nem o Hulk - o incrível - me assustaria tanto!
É...Orlando era o tal, mas ele tinha um trauma. Não, não era do Inglês.  Na verdade não era trauma, acho que era uma trava, um enrosco mesmo  com essa maldita pergunta.
E em  meio à sua angústia, a beldade ao lado ria. Não, não estou falando do abençoado, falo da beldade mesmo, da lindona que acompanhava a cena de longe.
Gente, o Orlando surtou!
“Dessa vez não!”, ordenou aos céus, e - no mesmo timbre do He-man - liberou um: “cheeegggaaaaa.” Lá foi ele tirar satisfação com a ruiva.
Coitado do Orlando, né gente?
“Qual é o seu problema?”
A ruiva sorriu sem graça. Balançou a cabeça sem jeito. Mal sabia Orlando...
Na sua aventura pela língua portuguesa, a gringa havia acabado de pedir  um caixão em vez de uma caixa grande para suas compras...Nem preciso falar que a raça no mercado rolou de rir.
A mulher ficou tão zureta, que ria um riso trêmulo, feio até, mas ria olhando para o Orlando, que - naquele instante - não passava de um poste para ela...
Mas vai explicar tudo isso, ela só falava Inglês...
Então, com o olhar mais delicado do mundo, fitou o enfurecido Orlando e limitou-se a um: ”Excuse me.”
Pronto, bastou para Orlando baixar a guarda e cair nas graças daqueles cachos vermelhos, olhos azuis, pele rosada, hálito fresco...
Bom, já sabe que o final da história é feliz, né? Orlando casou e se multiplicou. Formou uma linda família bilíngue. Ok que está tendo um trabalho danado com o Orlando Jr.
O pequeno é terrível: “o, pai?”
Orlando, docemente: “sim, meu anjo.”
O anjo: “setembrochove?”
“Já pro quarto, moleque!”
E foi do quarto que o anjo gritou: “Eu tenho brochove e o Mussum tinha forevis, né pai?”
Com o riso entalado, Orlando: “Pra cama, Júnior!”
Bom, se tem, não tem, o que é, como é, Orlando nunca entendeu esse tal de brochove. O que ele sabe é que se não fosse o brochove ele nunca teria se envolvido com o Inglês, e - talvez  - passasse uma vida sem ter a alegria assim tão por perto.
Carmem Galbes









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